O Primeiro Comando da Capital (PCC), de dentro dos presídios, 
encomendou uma música ao rapper Cascão, integrante do grupo Trilha 
Sonora do Gueto, segundo o músico. A canção é um “salve geral” da facção
 criminosa, denunciando o Estado por descumprir a “Lei de execuções penais”, e alerta: 
 
 “Não adianta ocultar, nem tentar oprimir. Nóis tem gente espalhada em todo canto por aí.” 
A iniciativa de “dar um salve” através de uma música lançada 
diretamente no Youtube [que até o fechamento desta matéria tinha 
ultrapassado, em 20 dias, mais de 150 mil visualizações] é inédita.  O 
novo formato contrasta com o anterior, mais analógico, de distribuição 
de panfletos e cartas, explica Camila Nunes Dias, professora da 
Universidade Federal do ABC, pesquisadora do Núcleo de Estudos da 
Violência (NEV) da USP e autora do livro 
PCC – A hegemonia nas prisões e o monopólio da violência, uma das maiores especialistas no assunto.
 
“Essa música é uma mensagem para o Estado, uma espécie de alerta ao 
fato de que, apesar de estar tudo aparentemente ‘tranquilo’ no sistema prisional
 em São Paulo, eles estão lá", diz. "Uma espécie de lembrete das 
condições precárias em que essa ‘paz’ tem sido mantida nas prisões de 
São Paulo nos últimos anos e dos ‘fiadores’ dessa tranquilidade nas 
prisões do Estado”, explica Camila.
Cascão afirma que o pedido da música veio após o rapper ter recebido um dossiê com diversas reclamações de violação de direitos humanos dentro dos presídios.
 “O objetivo dos caras [PCC] é denunciar as mazelas lá de dentro, que é o
 que está na música. Todo mundo está me chamando de louco por ter feito 
essa música, mas eu não devo nada, cumpri minha parte, mas sei o que 
acontece lá dentro e conheço os caras, não posso negar isso”, afirma o 
rapper, que passou oito anos preso, entre os de 1991 e 1999, e viu a 
facção nascer e crescer dentro dos presídios.
No vídeo clipe produzido para divulgar a música, um homem encapuzado 
lê as reivindicações do PCC. “Queremos um sistema carcerário com 
condições humanas, não um sistema falido e desumano, no qual sofremos 
inúmeras humilhações e espancamento. Não estamos pedindo nada mais do 
que está na lei”, afirma o ator.
 
Na “W2 Proibida” (abaixo), Cascão lembra das imagens vazadas pelo SBT
 em outubro de 2014, que mostram o Grupo de Intervenção Rápida, atuante 
nos presídios paulistas, intervindo dentro da penitenciária de 
Presidente Venceslau II. No vídeo, a ação dos agentes do Estado provoca 
um incêndio em uma cela com presos dentro. Em seguida, todos são retirados do espaço e espancados.
 
O nome da música, “W2 Proibida” é uma alusão ao presídio Presidente 
Venceslau II, na cidade de mesmo nome, que seria com “W” [Wenceslau] na 
linguagem da facção. “Proibida” porque a unidade é de segurança máxima. 
Lá, é onde estão presos os líderes do PCC, entre eles o Marcola.
 
A música aponta o tom político e ideológico que remete à 
fundação do PCC, em 1993, alguns meses após o “Massacre do Carandiru”. O
 intuito era zelar pelos direitos humanos dos presos. No final do 
videoclipe, para não deixar dúvida do tom da mensagem, Cascão usa 
imagens de Nelson Mandela, Che Guevara, Martin Luhter King e Malcom X. 
Camila alerta que esse discurso político “não necessariamente reflete
 as formas como essas relações são construídas e se desenvolvem”, 
lembrando o uso da violência, comum na atuação da facção. “Acho que o 
discurso político de legitimação é o elemento diferenciador do PCC em 
relação a outros grupos similares existentes no Brasil", diz. "Ele 
explica em grande medida a perenidade, estabilidade, a força e a 
hegemonia do PCC em São Paulo e o seu forte potencial de 
nacionalização”, avalia.
 
Para a professora, o que precisa ser analisado é que o discurso tem 
onde se ancorar. “Ele funciona porque encontra ressonância na 
experiência das pessoas a quem se dirige, a população prisional, 
especialmente, mas, também a toda população que vive em territórios 
pobres, periféricos e que na sua experiência cotidiana vivencia variadas
 formas de violação de seus direitos por agentes do Estado.”
A adesão à mensagem política nas periferias é confirmada por 
Cascão. “A filosofia do comando serve para a rua e para o sistema. Não 
existe separação, mano”. O rapper cita um exemplo usado na música para 
mostrar como “ideologicamente e politicamente atua o PCC”: a diminuição 
brutal no número de homicídios em São Paulo. 
Com a queda de 3,4% nos homicídios dolosos [com intenção de matar] de
 2014, em relação a 2013, São Paulo chegou a 10,06 assassinatos por 
grupo de 100 mil pessoas, o melhor índice desde 2001, quando o número 
era de 33,3, segundo números divulgados pela Secretaria de Segurança 
Pública do estado (SSP).
 
O governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), e sua equipe gostam de
 imputar à Polícia Militar e à Secretaria de Segurança Pública (SSP) a 
redução nos índices. 
 
Por outro lado, o PCC assume a responsabilidade pela queda no número 
de homicídios dolosos. “Já não morre mais ninguém, nóis que fez 
acontecer”, afirma a letra de “W2 Proibida”, com Cascão, em primeira 
pessoa, inserindo-se na facção, embora negue que integre o “comando”. No
 ano de 2011, em gravação interceptada pela Polícia Civil, Marcola 
atacou Alckmin e pediu os louros à facção. "Há dez anos, todo mundo 
matava todo mundo por nada. Hoje, para matar alguém, é a maior 
burocracia 
[no PCC]. Então, quer dizer, os homicídios caíram não sei quantos por cento, aí eu vejo o governador chegar lá e falar que foi ele.”
 
Para Camila, Alckmin não tem motivos para se envaidecer. “Não me 
parece que houve uma revolução nas politicas de segurança estaduais que 
expliquem a queda de 70% e praticamente a ausência de mortes nos 
presídios atualmente", diz. "Para mim, a mudança na dinâmica do crime 
que envolve uma maior organização e a hegemonia de um grupo [o PCC] no 
controle da economia ilícita e muito mais plausível como forma de 
compreender esse fenômeno.”
 
O discurso empregado pelo PCC pode passar a ideia de que com o 
respeito aos direitos humanos, a facção encerraria, também, suas 
atividades dentro dos presídios e nas periferias. Cascão se esquiva de 
uma resposta definitiva. “O Estado ganharia muito, mano. O índice de 
reincidência seria muito menor, se respeitassem os presos. O cara vai lá
 para tirar uma cadeinha, só que é o seguinte, ninguém respeita ele. 
Apanha de carcereiro, tira castigo todo dia, não come, não toma banho. 
Acaba se filiando ao PCC”, conta o rapper. 
Para Camila, há incoerência no discurso apresentado na música “W2 
Proibida”. “Embora a música enfatize a violência presente na unidade 
prisional onde estão aqueles que são considerados pelo Estado como 
lideranças do PCC – e acredito que seja, de fato, como narrado ali – , 
tenho convicção de que outras unidades – CDPS, por exemplo – apresentam 
condições muito mais precárias em todos os sentidos – alimentação, 
condições físicas, atendimento à saúde, jurídico etc”, argumenta a 
pesquisadora, para quem o “comando” se alimenta da desgraça que condena.
 
“Desta forma, o PCC acaba por reproduzir uma forma de poder e de legitimar esse poder – os 
irmãos
 estão num sofrimento muito maior – que mantém sua capacidade de 
controle sobre a população carcerária", diz. "Ao manter a ordem, sem 
rebeliões, num sistema caótico como o paulista, o PCC, paradoxalmente, 
contribui para que o Estado possa continuar encarcerando e mantendo os 
presos tal como eles estão: sob o comando do Comando”, finaliza.
fonte: 
Carta Capital
créditos: 
Igor Carvalho